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sábado, 3 de janeiro de 2009

Seguranças não cumprem lei sobre videovigilância

Mal pomos um pé fora de casa, transformamo-nos, involuntariamente, numa espécie de actores prontos a interpretar o guião das nossas próprias vidas. Dezenas (centenas?) de câmaras captam as nossas imagens de manhã à noite. E sabem tudo sobre nós.

Onde vamos, a que horas vamos, com quem vamos. Se estamos bem ou mal dispostos. Se pisamos o risco ou somos cidadãos exemplares. Se fumamos, se bebemos, se namoramos... Assustador? Provavelmente. E há muito mais. Por onde passamos, deixamos um imenso e minucioso rasto electrónico que permite reconstituir os nossos passos 24 horas por dia. Ficção? Nem por sombras. Paranóia? Muito menos. É a sociedade vigilante, criada em nome da segurança e em expansão galopante, numa invasão sem retorno da nossa privacidade. Não lhe podemos escapar, não a conseguimos controlar e nem sequer sabemos onde vai parar.

Avança-se a passos largos noutras áreas sensíveis como a identificação genética (foi aprovada pela Assembleia da República, em Fevereiro de 2008, a criação de uma base de dados genética que visa a identificação civil e criminal) e a identificação biométrica (leitura da íris dos olhos, "scan" da palma da mão e impressão digital). Apesar de tudo, trata-se de meios que (por enquanto) apenas confirmam se aquele cidadão é quem diz ser. Nada se fica a saber em termos comportamentais, gostos, hábitos, rotinas... Mas uma imagem pode dizer isso e muito mais. E, independentemente da nossa vontade e da consciência que tenhamos ou não dessa exposição.

Cidadão anónimo é passado

Se juntarmos à captação ou gravação de imagens o nosso lastro electrónico, torna-se evidente que o pacato cidadão anónimo pertence ao passado. Hoje, deixamos por todo o lado uma espécie de impressões digitais electrónicas: quando falamos ao telemóvel, usamos a Internet e o correio electrónico, pagamos despesas com o Multibanco, acumulamos pontos e descontos em cartões de lojas, bombas, hotéis e aviões, passamos na Via Verde, guiamo-nos pelo GPS... E, não tardará, andaremos todos munidos com o Cartão do Cidadão, que reúne a identificação civil com a fiscal, a da Segurança Social e a do Serviço Nacional de Saúde, tornando estas três últimas obrigatórias.

Em marcha está o Programa Nacional de Videovigilância do Governo, cuja última polémica é o "chip" da matrícula - também aqui com a junção de uma série de dados identificativos do condutor e do veículo - "chumbado" em parecer recente pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) por, segundo esta entidade, não garantir o direito à privacidade. E abriu-se uma nova frente na videovigilância ao ser permitido que os espaços públicos - a rua - seja controlada por câmaras. Começou na Ribeira do Porto (com as restrições de ser apenas à noite e não haver captação de som), prosseguiu nos estacionamentos da Praia da Rocha e no santuário de Fátima, e, acaba de ser autorizada na zona histórica de Coimbra. Na CNPD, existem pedidos para Estarreja, Bragança e Amadora. A maior parte dos pedidos têm sido chumbados pela CNPD, por considerar desproporcionada a colocação de câmaras face às taxas de criminalidade existentes nos locais.

Traçar perfis dos cidadãos é, actualmente, uma possibilidade real: impedir que se some dois mais dois só depende dos limites legais impostos e, obviamente, do seu cumprimento. O que nem sempre acontece, como o "Expresso" comprovou no passado dia 28 de Novembro: primeiro, fizemos um périplo em que, juntando itinerários reais (trajectos casa/trabalho/casa) e itinerários realizados de propósito para este artigo, nos colocámos sob a mira de câmaras (ver infografia).

Acesso a imagens negado

Num segundo momento, quisemos exercer o direito legal de acesso às nossas imagens. Em vão: desde respostas erradas à ausência pura e simples das mesmas, a verdade é que não conseguimos uma única imagem... Melhor, obtivemos uma, mas de outro campeonato, com direito a multa e tudo. Explicação: o gabinete do munícipe da Câmara Municipal de Lisboa remeteu-nos para a Polícia Municipal em resposta ao nosso pedido de acesso às imagens do Túnel das Amoreiras. Na polícia, informaram que estávamos no sítio errado, pois a videovigilância é competência do Gabinete do Túnel, e ali, imagens, só as dos radares de velocidade - mas não sairíamos de mãos a abanar pois tinham uma do veículo indicado, fotografado na Segunda Circular, há mais de um ano, com um excesso de velocidade de oito quilómetros!

O direito de acesso às nossas imagens foi solicitado a 3 de Dezembro às entidades envolvidas no nosso percurso, ao abrigo do artigo 11º da Lei da Protecção de Dados Pessoais (Lei nº 67/98, de 26 de Outubro). Para facilitar a detecção das imagens, foi indicado o dia, a hora e a matrícula do automóvel.

Mas, até ao fecho desta edição (a 26 de Dezembro), a administração do Colombo não respondeu; a TMN, a Galp e a loja Area (Colombo) prometeram respostas que não chegaram; o departamento de segurança da Refer garantiu ter assegurado a preservação das imagens, remetendo para contacto posterior, que nunca aconteceu, o modo de acesso às mesmas; a Aenor (concessionária do Eixo Norte/Sul e da CRIL, onde se situa o Túnel do Grilo) assegurou não deter "qualquer registo vídeo ou fotográfico" que permitisse a identificação pedida, devendo ser interpretado, segundo uma fonte da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), que não há tratamento de dados pessoais (até porque a comissão não tem, para este caso, notificação de gravação). Já a resposta da Brisa não é suficientemente clara. Argumenta a empresa que "não possui os elementos solicitados" (imagens na CREL e na A5), mas acrescenta que a GNR-BT, presente no Centro de Coordenação Operacional da Brisa, "poderá eventualmente ter em sua posse quer imagens quer registos vídeo". "A Brisa ou tem os dados ou não tem. Se os tem guardados para fornecer às polícias, também os tem de ceder ao titular dos mesmos", comenta a fonte da comissão que acredita que a Brisa apagou esses dados, até porque dispõe de uma autorização para os manter durante 72 horas: "A Brisa devia dizer claramente 'já os apagámos'."

Erradas são as respostas da Sonae Distribuição (Continente) e dos CTT, desde logo porque invocam a necessidade de notificação por autoridade policial ou judicial para a cedência das imagens. "O exercício do direito de acesso, por parte de qualquer pessoa, aos seus dados pessoais está consagrado na Constituição e na Lei de Protecção de Dados, e não tem de ser justificado", explica o presidente da CNPD, Luís Lingnau da Silveira, face ao questionamento unânime, das entidades contactadas pelo "Expresso", quanto às razões do pedido.

A única excepção recai sobre material que esteja sob segredo de justiça, pois, mesmo quando há terceiros nas imagens, compete "aos responsáveis pelo tratamento adoptar as medidas técnicas necessárias para garantir o direito fundamental de acesso", sublinha Lingnau da Silveira, que conclui: "Sempre que esse direito não seja assegurado, as pessoas deverão dirigir-se à CNPD." Mas tal poderá já não servir de nada pois a a lei estabelece, em termos gerais, que o prazo máximo de conservação das imagens é de 30 dias.

Paranóia securitária

A paranóia securitária do pós-11 de Setembro com a argumentação da guerra ao terror não tem tido, em Portugal, grande impacto, sublinha a antropóloga Catarina Fróis, que considera que "a guerra, a existir, é outra. É a guerra ao atraso, à mediocridade, combatida com a grande arma modernizadora: a tecnologia". "Ter câmaras de videovigilância" - prossegue no livro "A Sociedade Vigilante - Ensaios sobre Identificação, Vigilância e Privacidade" - "é entendido como uma aposta na segurança local, mas também como o seguimento de uma tendência que vai além-fronteiras".

Entre 2000 e 23 de Dezembro passado, o crescimento do número de pedidos de videovigilância (excluindo os da via pública relativos às polícias ou autarquias) é impressionante: de 67 passaram para 6.240. O que parece pôr em rota de colisão os direitos fundamentais da privacidade e da segurança, embora Lingnau Silveira não os considere "necessariamente incompatíveis". "Há que encontrar um ponto de equilíbrio entre ambos, isto é, comprimir um direito fundamental apenas e tão-só, na medida do estritamente necessário, para que um direito não anule o outro." O que corresponde, "a garantir a segurança dos cidadãos sem que tal signifique o abdicar do seu direito a não ter todos os seus passos controlados".
Será possível?

A ameaça, pelo menos, existe. Como diz Catarina Fróis, membro do European Privacy Institute, "a existência de grandes bases de dados informáticas que centralizam informação detalhada dos cidadãos, e que é depois cruzada com informação constante noutras bases de dados pessoais, ameaça pôr em risco o direito à privacidade, à integridade física e moral, ou mesmo, em última análise, o direito à escolha".

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Fonte: Expresso, 03-01-2009

Mais informações em:
Comissão Nacional de Portecção de Dados
Programa Nacional de Videovigilância

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