As marquises haviam de ser proibidas e as pessoas obrigadas a apresentarem-se nas varandas, expostas aos elementos e aos nossos olhares deliciados, sentadinhas a ler jornais, ou de pé a regar as sardinheiras, enquanto falam aos gritos com os vizinhos.
As marquises, em contrapartida, expõem toda uma vida, com as suas tristes mobílias e os seus hábitos entorpecedores. Vistas todas juntas, parecem uma parede esburacada onde se tenham pendurado miniaturas de todas as pinturas de Hopper. Há quem goste deste efeito, que surge duma multiplicação de intrusões e de indiferenças. Mas para deixar de gostar basta ter tido a experiência de estar numa marquise, de robe, com uma caneca na mão, a olhar para cem outras marquises idênticas, onde estão mais vinte ou trinta robes, a lavar loiça; a passar a ferro ou a pensar na morte da bezerra, especados como nós, com uma caneca na mão.
Nas varandas, as pessoas põem mobílias de jardim, que aceitam o tempo e não magoam a vista de quem passa. Mas nas marquises põem tudo o que têm de mais horrível, velho e atafulhado, com as coisas a não dizer com as outras, aos gritos. Parece que houve um bombardeamento; que ruiu parte do prédio; que ficou aquela saleta ridícula e despropositadamente luminosa, pendurada no ar; a obrigar-nos a olhar para ela e a fazer-nos pena - uma pena enfurecedora, por ser pena de nós próprios e do nosso olhar.
O problema é sempre o mesmo: o hipercriticismo português, fóbico e maldito, perante o clima de Portugal, harmónico e abençoado. A falta de esplanadas é exactamente da mesma ordem patológica de ausência que a falta de varandas. As obsessivas marquises portuguesas são um exemplo puro do que nos move e perturba: através delas, procuramos tapar e fechar uma coisa aberta ao mundo. Mas acabamos por destapar e abrir um mundo bem pior: o pequeno e miserável mundo das nossas vidas e das nossas casas, vistas por quem não as quer ver.
As marquises são como os capachinhos. Não é preciso uma rajada de vento para destaparem a careca a quem os usa - muito mais do que se estivessem de careca destapada, ao ar livre, como deve ser.
Miguel Esteves Cardoso
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Fonte: Única, Expresso
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4 comentários:
Não sou fã dos prédios com marquizes andar-sim-andar-não, muito menos quando existem várias cores e feitios.
No entanto acho que cada um deveria ter o direito de usufruir do seu espaço que pagou com o seu dinheiro da forma que melhor entende. Com normas, como respeitar as cores dos caixilhos ou a tonalidade dos vidros(como exemplo).
A não ser que algo me faça doer a vista, por mim, façam o que vos der mais jeito, caros vizinhos!
Nota-se muito que ando a "namorar" estas quase invisiveis??
http://www.lumon.dk/References.asp?id=2147&docid=2662 - ver link
Não concordo com as marquises e não consigo compreender porque razão uma pessoa compra um apartamento num prédio com varanda e depois quer fechá-la. Existem tantos prédios sem varandas...
Claro que as marquises invisíveis passam mais despercebidas, mas a verdade é que estão lá e sinceramente não concordo. Depois aparece mais uma prateleira, uma cortina, um objecto que já não se quer mas também não vai para o lixo... A marquise é invisível, mas o conteúdo da varanda não! Tudo isto dá um aspecto degradado a uma urbanização.
Se os arquitectos se esforçaram em fazer um bairro com uma boa qualidade estética, espero que os vizinhos respeitem esse trabalho.
já vi varandas fechadas na vila chã, naturalmente que a estética foi por água a baixo, mais comentários para quê?
Para se fechar uma varanda, não é necessária a autorização do condomínio?
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